quinta-feira, 1 de julho de 2010

As escolhas do administrador público: petróleo

Oi Pessoal,

Reproduzo abaixo um artigo recente de autoria do Senador Cristovão Buarque. Acho que é uma leitura preciosa para todos que estudam e se interessam por administração pública.

O petróleo permanente - Gazeta do Povo 11/06/2010

O petróleo permanente - Gazeta do Povo 11/06/2010 Alguns séculos atrás o Brasil descobriu ouro em Minas Gerais e utilizou-o para financiar atividades em Portugal. No lugar de financiar sua industrialização, utilizou para comprar bens de consumo na Inglaterra. O resultado é que o ouro acabou como acabará o petróleo. O Brasil ficou com quase na­­da, Portugal com edificações e a Inglaterra industrializada.
Ninguém pode acusar os brasileiros daquele tempo por terem desperdiçado ouro: não sabiam que acabando não haveria alternativa, porque eram colônia. Hoje, se o Brasil descobre petróleo, sabemos que ele se extinguirá e temos alternativa para usar aqui e bem os recursos que ele pode gerar.
 
Nos últimos cinquenta anos, o Brasil vem investindo em São José dos Campos (SP) para financiar o Centro Tecnológico da Aeronáutica (CTA) e o Instituto de Tecnologia da Aeronáutica (ITA). Uma rápida visita a São José dos Campos nos mostra os resultados desse investimento.
 
O IDH de São José dos Campos é de 0,849 – o 37.º melhor entre as 5.564 cidades brasileiras. Além das dezenas de indústrias de alta tecnologia, o resultado mais visível é a Embraer. No pátio de entrega, aviões com logotipos de grandes empresas de aviação do mundo todo nos passam a sensação de que o Brasil é um grande país.
Isso me faz comparar São José dos Campos com as cidades beneficiadas por royalties do petróleo. Mesmo após décadas recebendo royalties, a quase totalidade dessas cidades têm IDHs entre 745.º e 4178.º lugares no ranking nacional. Isso porque parte desses recursos é usada em gastos correntes, não em investimentos de longo prazo; e também por causa da imigração de mão de obra, vinda em busca da renda do petróleo.
 
O estado do Rio de Janeiro tem todo o direito de exigir a manutenção dos royalties que recebe. Caso contrário, haverá uma crise financeira no estado. Mas, enquanto defende suas finanças conjunturais, o Rio deve debater a relação permanente entre o petróleo e as finanças públicas no Brasil: não só quanto cada estado ou município vai receber, mas também como aproveitar o petróleo para construir um país melhor.
 
E, nesse caso, o exemplo de São José dos Campos é marcante. A melhor solução é promover a verdadeira fonte permanente de energia: a inteligência humana. A mesma que hoje transforma a lama enterrada no subsolo do mar em riqueza energética, e que um dia vai extrair energia de fontes permanentes e ecologicamente limpas.
 
Pensando nisso, o senador Tasso Jereissati e eu apresentamos, no Senado, um projeto de lei que, sem retirar os recursos que o Rio recebe atualmente, vincula os recursos das novas reservas à melhoria, em todo o Brasil, da Educação de Base – o maior gargalo ao desenvolvimento científico e tecnológico. Em projeto mais recente, defendo que esses recursos sejam distribuídos proporcionalmente ao número de crianças na escola, em cada município e estado.
 
O Brasil estaria assim transformando uma fonte de energia esgotável em fonte de energia permanente, e também distribuindo os recursos do presente para o futuro. O Rio seria triplamente beneficiado: é o estado com maior número de crianças na escola, depois de São Paulo; reduziria a imigração, que pesa em seu orçamento; e construiria um fluxo perene de recursos, que o petróleo não oferece.
 
Antes de aprovarmos a lei que vai definir o uso dos recursos do petróleo, comparemos a aplicação dos royalties com os investimentos feitos pela União em São José dos Campos, no CTA e no ITA. Sem tirar os direitos adquiridos pelo Rio e demais unidades da federação com suas antigas reservas, combinemos o Pré-Sal com o Pós-Petróleo.
 
Mais ou menos quando o ITA e o CTA começavam, o Brasil estava na campanha “O Petróleo é Nosso”. De lá para cá, queimamos bilhões de barris que nunca voltarão, que roubamos das gerações futuras. Hoje deveríamos dizer “o Petróleo é das Crianças”, porque ele deveria ser usado para construir o Brasil do futuro, evitando a conhecida maldição que o petróleo tem trazido a tantos países, que consomem suas reservas e gastam seus recursos financiando despesas correntes voltadas para o presente.
 
Nosso desafio é fazer o petróleo ser permanente, inesgotável, e a única forma é transformá-lo em conhecimento, investindo na educação de nossas crianças, a renda que ele gera.
 
Cristovam Buarque, professor da Universidade de Brasília, é senador pelo PDT-DF

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